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Mistérios do inconsciente

Para quem acha que a hipnose não passa de charlatanismo, é bom saber que ela é uma aliada eficiente na passagem pelo consultório de médicos, psiquiatras e dentistas .

Antes de ler este texto, respire fundo. Agora sente-se numa posição confortável. Feche os olhos e relaxe. Sinta a pressão que o corpo exerce contra a cadeira. Prepare-se para sentir os pés empurrando o chão. Assim você pode ter uma idéia de como uma sessão de relaxamento, quando bem conduzida, leva muitas pessoas a um estado de transe hipnótico. Técnicas como essa têm sido utilizadas por diversos profissionais da área da saúde para favorecer o tratamento de problemas emocionais (como ansiedade, depressão, estresse e baixa auto-estima), combater obesidade, fobias, traumas pós-traumáticos e doenças psicossomáticas (úlceras de fundo nervoso, tiques e gagueira, por exemplo), controlar hábitos (especialmente tabagismo e tóxicodependência), além de aliviar dores.

Tudo isso é possível graças à uma prática que não é medicina alternativa nem especialidade médica: a hipnoterapia (ou hipnose médica). A idéia é fazer dos benefícios da hipnose coadjuvantes na parceria entre médico e paciente. Isso porque a milenar técnica de hipnotizar é hoje um meio moderno, reconhecido por diversas associações científicas do mundo todo e empregado por médicos, odontologistas e psiquiatras -e só eles têm permissão para fazer proveito do método.

Sempre numa abordagem terapêutica, a hipnose busca um atalho para mostrar ao indivíduo uma visão mais essencial e sintética de si mesmo, por meio de um estado de relaxamento semi-consciente em que se interpreta a imaginação como realidade. “Ela é uma ferramenta utilizada para lidar com as emoções das pessoas. Atua de forma a atingir um estado alterado de consciência, mas que mantém o contato sensorial do paciente com o ambiente”, esclarece o psiquiatra Leonard Verea, presidente da Sociedade Brasileira de Hipnose Clínica e Dinâmica. Portanto, diferente do que muita gente pensa, a hipnose não faz com que ninguém fique sob poder do profissional. Todos mantém o livre-arbítrio e a auto-censura.

Leonard explica que o transe é um estado natural que ocorre quando a atenção de alguém está livre de distrações e extremamente focada, tanto em algo interno como um pensamento ou uma imagem -ou em algo externo -um livro ou um filme. Essa abordagem depende muito do grau de sensibilidade hipnótica de cada um, e somente cerca de 8% da população mundial não é sensível. “Todos nós somos hipnotizáveis. Tudo depende da abertura que cada um dá para que a hipnose atue”, salienta.

Sem charlatões

Essa prática, aliás, está bem longe da fantasiosa imagem do pêndulo e do sono profundo. Em geral, os médicos levam de três a quatro minutos para colocar o paciente em estado hipnótico. E, uma vez em transe, é possível reviver as situações traumáticas que gravaram emoções ruins no inconsciente, só que de outra forma: eliminando os valores negativos adquiridos ao longo da vida, que prejudicam o processo evolutivo e de crescimento, e trocando-os por outros positivos que favoreçam o bem-estar físico e emocional. Essas características têm ajudado a desvencilhar a hipnose da imagem de prática circense, de teatro ou de show. “Essa técnica tem fundamentos científicos comprovados, o que dá a ela total relevância em medicina comportamental”, garante o psicoterapeuta do Hospital das Clínicas da USP João Augusto Figueiró.

Ele conta que a hipnose médica ainda é um dos métodos terapêuticos mais controvertidos na Psiquiatria. Ela foi recebida com reservas, depois que recebeu críticas indevidas de Sigmund Freud, o pai da psicanálise. “No entanto, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ela tem sido vista como um método válido pelas principais entidades médicas internacionais”, aponta. Aqui no Brasil, Jânio Quadros criou uma lei na década de 60 que regulamenta seu uso -lei que caiu no governo de Fernando Collor de Mello, mas passou a ser regulamentada de novo pelos Conselhos de Medicina, Psicologia e Odontologia, a partir de 2004.

“Nunca pensei em morar sozinha”

A empresária Juliana Santos, 27, de São Paulo, é paciente do Dr. Leonard há dois meses. Era do tipo estressada, daquelas que querem tudo para ontem e vivem perdendo a paciência com todos no trabalho e em casa. “Eu tinha aquela síndrome da pressa, ficava cobrando todo mundo e me responsabilizava além da conta”, ressalta. Logo na segunda sessão, atingiu um nível de relaxamento que a fez perceber uma considerável diminuição da ansiedade. Além disso, pôde confessar para si mesma que precisava do próprio espaço. “O bacana da hipnose é que você admite coisas que inconscientemente fica negando. Na consulta, falei que queria morar sozinha, algo que eu nunca tinha sequer cogitado fazer! Eu me vi muito convicta nessa idéia e de repente estava procurando imóveis e me dando conta de que essa seria uma oportunidade para dar um rumo positivo para minha vida.”

No consultório do presidente da ABASCO (Associação Brasileira de Analgesia) João Rosa, que também dirige a clínica AlphaOdonto, localizada na capital paulista, pessoas que têm pavor da cadeira do dentista também encontram um alívio na hipnose. Por lá, os odontofóbicos de plantão passam pela hipnoanalgesia, recente descoberta que une a hipnose com a analgesia e também auxilia pacientes submetidos a tratamentos longos (a pessoa tem a sensação de ter ficado muito menos tempo que o previsto). Ele é um dos pioneiros no uso dessa técnica no Brasil e salienta que, no país, a hipnose nos consultórios dentários está regulamentada desde agosto de 1966, juntamente com a liberação da chamada analgesia consciente.

“A analgesia é uma técnica que usa o gás N2O (óxico nítrico) para gerar uma leve sedação e relaxar o paciente”, ressalta João. Ele diz que o gás é utilizado somente quando o paciente já entrou em estado de “alpha” e está apto à indução por palavra, o que facilita o transe. Esse processo, que pode ser usado em pessoas de todas as idades, além de potencializar o anestésico, pode controlar as náuseas, a abertura do maxilar (sem que haja cansaço) e os movimentos da língua e da salivação.

Os médicos consultados para a reportagem afirmam que não existem contra-indicações quanto ao uso da hipnose médica -exceto no caso de pessoas que sofrem de psicose, epilepsia ou problemas de déficits cognitivos -e que cada método de abordagem é elaborado a partir das necessidades do paciente. Vale lembrar que só médicos, dentistas e psicólogos estão aptos a fazer essa abordagem, por isso não deixe de verificar a formação do profissional antes da consulta.

Pamela Cristina Leme

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