Aumenta o número de crimes bárbaros entre as famílias

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O número de crimes envolvendo pais e filhos e pessoas da mesma família ou que têm um vínculo afetivo tem crescido no Brasil. E não é só o fato de, cada vez mais, envolverem a classe média que vem assustando a sociedade, é também o requinte de crueldade e sangue-frio com que são cometidos. Psiquiatras se debruçam para analisar esse fenômeno social e descobrir respostas. Porém, fazem um alerta: qualquer pessoa sob forte pressão e estresse pode ser acometida por um surto psicótico e cometer um crime bárbaro.

“Esses atos são efeitos de situações mal resolvidas que se acumularam ao longo da vida”, observa o médico psiquiatra italiano Leonard Verea, especializado em Medicina Psicossomática e Hipnose Clínica, formado pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de Milão (Itália). Atuando no Brasil desde 1985, Verea diferencia os casos do cirurgião plástico Farah Jorge Farah, que esquartejou uma ex-namorada, e o casal de Campinas (SP), que, num acesso de fúria após bater o carro, arremessou o filho de 1 ano no vidro de um carro que passava e bateu a cabeça da filha de 6 anos numa árvore.

No caso de Farah -assim como o da estudante Suzane Richthofen, que em outubro do ano passado, juntamente com o namorado e o irmão dele, matou os pais a pauladas -houve premeditação. “Eles mostraram frieza, agressividade e até mesmo um certo prazer com a situação de violência”, analisa o psiquiatra. Já o casal de Campinas, compara, agiram com impulsividade, perdendo o controle sobre suas ações. Segundo o médico, o produtor e cantor Alexandre Alvarenga, 31 anos, e sua mulher e parceira na dupla sertaneja, Sara Maria, 32 anos, sofreram um surto psicótico.”

É um momento de agressividade, a qual é colocada para fora repentinamente”, explica Verea. O laudo toxicológico do Hospital Celso Pierro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, apontou que o casal havia consumido cocaína. Porém, o médico observa que a droga não é a responsável indireta pelo crime. “Um surto psicótico pode acontecer com qualquer pessoa”, reitera o psiquiatra. Apenas, completa, usuários de entorpecentes têm uma maior predisposição ao surto que aqueles que não consomem drogas.

Já o cirurgião plástico Farah Jorge Farah, avalia Verea, apresenta um quadro de distúrbio de personalidade anti-social. Portadores desse tipo de perturbação, indica, não têm tratamento e precisam ficar reclusos para não voltar a cometer novos desatinos.

Manchas no cérebro identificam distúrbios

Os portadores de distúrbio de personalidade anti-social têm traços comuns que os identificam. A maioria deles sofre alteração patológica no cérebro, na região do lobo temporal, a qual pode ser observada através de eletroencefalograma. Além do aspecto orgânico, eles costumam apresentar adulterações de comportamento, como a incapacidade de ativar marcadores somáticos. Ou seja, com isso elas se tornam pessoas frias, cínicas, arrogantes, desafiadoras, alheias ao sentimento de medo e inábeis para vivenciar emoções.

Pessoas normais, quando submetidas a estímulos estressantes, têm alteração da respiração e da freqüência cardíaca, maior sudoração e mãos geladas. Nada disso, no entanto, acontece com os psicopatas e sociopatas. “Essas pessoas não se emocionam”, diagnostica o psiquiatra. Essa personalidade fria, calculista, insensível, manipuladora, a ausência de remorso e a dificuldade de sentir frustração, contudo, pode ser vantajosa para os portadores do distúrbio, uma vez que essas características favorecem que se tornem líderes. E temos exemplos disso na história, como aponta o médico. “São os caso de Adolf Hittler, Sadam Hussein e muitos políticos corruptos”, enumera.

Em geral, explica Verea, os pacientes não identificam o seu problema. Por isso, não procuram ajuda profissional. Porém, os pais podem perceber a predisposição nos seus filhos através de gestos como o prazer de torturar animais ou tendência aos atos de vandalismo, bem como uma rebeldia excessiva com pais e professores. Verea aconselha um tratamento precoce para ajudar a não desenvolver a psicopatia. “Terapia é uma forma de tentar evitar o desenvolvimento ou amenizá-lo, através da busca do equilíbrio emocional”, receita.

Alegação de insanidade

A alegação de que seus clientes sofrem de perturbação mental tem sido constantemente utilizada por advogados de autores de crimes bárbaros. A estratégia pode representar um grande trunfo, mas, por outro lado, traz um imenso risco para os acusados, opinam alguns juristas. Isso porque, geralmente, este estratagema só é usado nos casos em que o réu é acusado de homicídio qualificado, cuja pena é de 12 a 30 anos. Se for provado que sofre de problemas mentais, ele pode ser mandado para o manicômio judiciário e, após um intervalo de um a três anos, ser considerado recuperado e ganhar a liberdade.

“Essa é uma estratégia muito perigosa. Só se justifica se a pessoa for realmente louca ou, se não for, o crime tenha uma pena muito alta. Nessa última hipótese, o risco está na pessoa que é normal ficar de fato insana pelo longo convívio dentro do manicômio”, esclarece o advogado Sebastian Borges de Albuquerque Mello, especialista em Direito Penal e professor da disciplina na Universidade Católica do Salvador, Faculdade Jorge Amado e Escola Superior do Ministério Público.

Ele explica que a alegação de incidente de insanidade -nome técnico -passa pelo crivo de peritos. Não basta a referência à perturbação para livrar o cliente da cadeia. Ele precisa passar por avaliação de peritos para determinar se tem doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Caso se enquadre num desses perfis, é considerado inimputável. Se o juiz acatar o laudo assinado por médicos psiquiatras, o acusado é enviado para o manicômio judiciário e, assim, não será submetido ao júri popular.

No hospital, o indivíduo passa por exames periódicos de sanidade. E, após um intervalo de um a três anos, se for considerado recuperado, pode ser posto em liberdade, passando um ano sob vigilância. Depois desse período, se tiver bom comportamento, fica totalmente livre.

O crime de homicídio está previsto no Código Penal, Artigo 121, sob a grafia “matar alguém”. Configura homicídio simples -sem circunstâncias que aumentem a pena, que é de seis a 20 anos. No Parágrafo 2º do mesmo artigo estão elencadas as situações que transformam o homicídio em qualificado, cuja pena vai de 12 a 30 anos. Essas circunstâncias são os motivos torpe (motivo cruel, de grande repugnância, como a vaidade ou filho que mata os pais para ficar com a herança) e fútil (uma reação desproporcional, como matar alguém que bateu no carro).

PRAZER MÓRBIDO

-Há duas semanas vem circulando pela internet as fotos, desviadas do Instituto Médico-Legal de São Paulo, das partes do corpo decepado de Maria do Carmo Alves, 46 anos, esquartejada pelo cirurgião plástico Farah Jorge Farah, no dia 24 de janeiro. O comportamento de repassar esse material de conteúdo macabro chocou o psiquiatra Leonard Verea, uma vez que esta reprodução é um ato protagonizado por pessoas “normais”. “É um prazer mórbido”, considera o médico.

Ele se diz estupefato com essa divulgação virtual das fotografias. “Apesar de lidar com essas patologias, fiquei chocado ao ver que a mesma sociedade que julga e condena faz disso uma diversão mórbida”, revela Verea. Mas, ele tem um diagnóstico psiquiátrico para tanto. “Dentro de todos nós há uma fera pronta para atacar, para soltar as garras. Todos temos um lado sádico”.,

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